segunda-feira, 13 de junho de 2011

Entrevista com Pedro Murad

Abaixo, uma breve entrevista com Pedro Murad, professor e dramaturgo.

1- Qual sua relação com o cinema e as artes?

Sou dramaturgo e roteirista e pude me aprofundar nas questões pertinentes à ficção que perpassa toda forma de espetáculo ao longo do meu mestrado na ECO e meu doutoramento na Faculdade de Letras da UFRJ. Depois de um bom tempo de maturação cheguei ao ponto que nunca deveríamos ter deixado à margem: a indistinção entre cinema e as outras artes, mesmo entre arte e vida, onde num certo sentido creio que o próprio conceito de Arte é precaríssimo. Partilho hoje plenamente da noção do Campo Expandido, onde estas fronteiras são irrelevantes. Logo, creio que uma abordagem mais generosa sobre o cinema não deve levar o cinema tão à sério (nem mesmo o teatro, a televisão, as ações na web, a performance, etc). São campos que se sobrepõem, que guardam elementos comuns, muitas vezes interdependentes. Acredito que a própria cidade na contemporaneidade é um campo ficcional bastante amplo e difuso, descentrado, alheio à linearização, um ambiente riquíssimo. O cinema nada mais faz que mimetizar a dinâmica que envolve este campo, integrando-se a ele.


2- O que acha de filmes que abordam a temática da Teoria do Caos? Acha importante?

Não conheço profundamente a Teoria do Caos. Mas creio que as novas tendências na arte contemporânea —descentramento, esvaziamento de unicidade e da autoria, fragmentação, des-linearização, a emergência do precário, fim das escolas e ismos de todo tipo, de mediações em multiplas vias de acesso, de uma integração radical do público com o evento, seja ele audiovisual, musical, performático, entre outros — sinalizam uma convergência com as diversas teorizações desta modernidade tardia, mesmo as menos recentes como a Teoria do Caos. Não creio que um filme que aborde a teoria do Caos esteja profundamente embrenhado nela, pelas restrições impositivas desta plataforma. Não sou uma perito neste campo mas posso arriscar que os filmes que tratam deste tema ou o fazem de modo documental ou como uma tentativa — frustradíssima, ao meu ver — pois em seu DNA o cinema — pelo menos aquele cinema como mediação analógica, como começo meio e fim, que é exibido num espaço delimitado — leia-se uma sala de cinema, o locus de exibição se confundindo com a própria atividade — é moderno, essencialmente moderno, uma consagração de um projeto iniciado com o renascimento (linearização, unicidade, criação de ilusão, produção de realidade, etc) e que nos dias atuais se esvazia nas mediações mais recentes.


3- Existe algum filme que o Sr. considere fundamental para uma maior compreensão do tema? E por que?

Nenhum. Talvez os filmes que sinalizem a precariedade do próprio cinema enquanto suporte, as últimas tentativas de manutenção desta forma de produção de realidade. Partilho da idéia lançada por Peter Greenway de que o cinema está morto. O teatro soube encarar sua própria mortandade com o pós-dramático, com os stand-up comedy, com a performance. A canção (ou poesial oral, como prefere Paul Zumthor, essencialmente narrativa, atrelada ao tonalismo, outra invenção da modernidade) igualmente dá passagem à outras abordagens como a música eletrônica, o hip-hop, mesmo o funk, se quisermos descer alguns degraus. A música, com o dodecafonismo, a música eletro-acustica, serial, os hibridismos e fusões com a música modal asiática. A literatura — outra anciã teimosa — já sinalizava sua crise com Joyce e toda forma de esvaziamento e pulverização nas escrituras engendradas desde as abordagens mais inovantes até a textualidade pedestre dos periódicos, dos blogs, mesmo as piadas mais rasteiras. Mas o cinema persiste em se afirmar como Sétima Arte, num tempo onde o próprio conceito de arte perde relevância. Eu poderia apontar o filme Brüno como um exemplo de narrativa descentrada e dispersa, rigorosamente pós-moderna. Mas esbarraríamos no mesmo ponto: trata-se de um filme, com duas horas de projeção, onde ficamos recolhidos numa sala escura, inertes, assistindo passivamente. Por isso o cinema está morto: a mídia cinematrográfica possui entraves intransponíveis que seguramente colocarão o cinema como conhecemos hoje a pique. Atualmente a indústria de games já é bem mais forte economicamente que a de cinema, alguns milhares de vídeos no youtube seguramente são mais consumidos que grandes produções de hollywood, a própria transformação de muitas salas de cinema em igrejas pentecostais — me perdoe finalizar com essa imagem grotesca — não deixam de confirmar empiricamente e de modo bastante contundente esta mortandade gradual do cinema.

Sugestão: leia o livro CAOS/DRAMATURGIA, de Rubens Rewald, onde o autor trabalha justamente com a teoria do caos e as dramaturgias. Não pude ler, enfim. Talvez se tivesse lido minha compreensão poderia ser diferente. Em todo caso, não creio que distaria muito dos pontos que mencionei acima.


Pedro Murad é Professor e dramaturgo,

doutorando pela Faculdade de Letras da UFRJ,

possui mestrado em Comunicação e Cultura pela ECO/UFRJ (2004)

e graduação em Filosofia pelo IFCS/URFJ (2001).

Um comentário:

  1. Opa, muito legal o blog.. um tema complexo que quero comprender um pouco mais por aqui.

    As perguntas, pelo que pude compreender, foram enviadas todas juntas pro entrevistado né? Pq já na primeira o Pedro Murat já diverge da ideia do caos e cinema.
    Depois dessa primeira e atordante resposta, fiquei imaginando a pergunta: "Entao qual seria a mídia mais adequada para se falar de teoria do caos?" mas a pergunta também já fica um pouco em xeque, já que ele também decide romper essas fronteiras entre as artes..

    A mídia mais adequada seria a realidade virtual, um jogo em realidade virtual ? Fico achando que sim.

    As respostas foram muito interessantes e mesmo se não tivesse criado tantos "parenteses" e "sub-parenteses" eu já ficaria um pouco confuso.Pareceu uma equação matemática.

    "filmes que sinalizem a precariedade do próprio cinema enquanto suporte"
    Uau.. eu como cinéfilo adoraria ver um filme que abordasse isso!!... até pq, tirando a limitação do tempo, não o enxergo como um suporte precário, porém pouco explorado atualmente, seguindo formulas rígidas, se auto-tolindo.

    Estava achando que o livro indicado era do Rubens Ewald Filho rss (critico de cinema que nao me agrada)... agora que vi que é Rewald

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